quarta-feira, 27 de outubro de 2010

A gente

Outro dia ouvi nossa música. Fechei o olho e senti sua respiração, senti seu cheiro. Senti seu olhar, me olhando dormindo. Senti falta.

Esqueci que o tempo passou, que a música agora é velha, brega, e toca em programas de no fundo do baú. Mas naquela hora não importava. Era você e eu, ali, juntos.

Era aquele dia de sol, que a gente foi pro gramado ver o sol se por. Era o dia de chuva, que deitamos na rede pra ver a água cair do telhado. Era só a gente, do jeito que a gente queria.

É a nossa música, minha e sua, e ninguém tira. Você vai ouvir, um dia desses, quando ligar em alguma estação aleatória, em algum horário aleatório, em algum fundo do baú. E ela vai tocar, e você vai ignorar, vai mudar a rádio.

Mas aí você já vai ter lembrado da nossa rede, do nosso pôr do sol, da nossa noite de lua. E você vai lembrar daquele dia que eu sumi, que eu não quis mais, que eu virei a vilã da história.

E você vai me odiar. Vai querer me esquecer, vai ouvir sua playlist de músicas favoritas, vai sair, vai dormir. E vai me odiar mais, e mais. Vai querer matar o autor da música, o cantor, e o intérprete.

Tudo isso por causa de uma rede, de um pôr do sol, de um dia de chuva. Tudo isso por causa da gente.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Errada


Eu escolhi errado. De novo!

Creio que eu tenho o dom da escolha errada. Se estou diante de uma geladeira de sorvetes, todos atraentes bonitos, sempre escolho aquele que mais me atrai, geralmente de chocolate. E adivinha? Ele é horrível. Gosto de chocolate, não tem. E se for bom, depois de duas ou três colheradas, devo conseguir derramar mais da metade no chão.

Sou meio assim, devo ter nascido do avesso. Caído do berço. E ter dado meu primeiro passinho com o pé esquerdo. E segue assim desde então.

Eu sou aquela que vai abrir o forno, erra a mira e queimar a mão. Aquela desastrada que não consegue encher uma garrafa com um funil, e acaba se molhando inteira. Dessas que erra o passo e tropeça, na frente de metade da escola, no primeiro dia de aula.

Dois caminhos, e eu consigo descobrir qual vai ter trânsito. Trânsito na minha faixa, pra melhorar as coisas. Isso se um carro não estragar na minha frente. Ou se não for o meu mesmo que vai morrer, fundir e soltar fumacinha.

Quando Deus decidiu o dom que me daria, ele foi bem, mas bem sacana mesmo. Me iludiu, deixou papai e mamãe falarem, afirmarem sempre, que eu era inteligente. Eles sempre dizem que eu sou muito, muito esperta. Vai ver é culpa deles mesmo, eu não ver o quão errada sou.

Eu erro achando que acertei. E de raiva, não aceito o erro. Sabe por quê?

Por que nunca, nunca mesmo eu tinha visto esse trânsito, nessa rua. Por que quando eu comi esse doce, ele não era tão doce que doía. E por que quando eu escolhi você, eu jurei que ia dar certo, por que ia. Por que a professora falou o que eu disse, e não o que você escutou. Eu juro.

Juro que não erro por mal, é involuntário. É como se eu fosse feita de ferro, e erros fossem feitos de imã. Eu continuo errando involuntariamente. São meus erros, tão meus que chego a ter algum apego por eles. Chego a ter ciúmes, querer exclusividade.

Portanto não se arrisque a errar, na minha vida, dessa parte cuido eu.

sábado, 23 de outubro de 2010

Comigo


Vem, me dá a mão.

Vem, aperta forte e diz que nada vai acontecer, nada vai mudar. Diz que o tempo não vai mais passar, que a gente vai ficar aqui. Parados, congelados no tempo, como deveria ter sido. Me pede pra acreditar com toda a força, que eu nem sei que existe.

Esquece o que eu disse e te magoou. Me lembra do que eu não esqueci. Me segura no seu colo, diz que ainda sou sua. Me diz que o que me dá medo, não existe. Vem, me diz que sentiu falta.

Pede pra eu dizer o que não consigo. Me cobre com o casaco, do vento que já não sinto. Vem, me mostra o que eu perdi quando estava fora.

Diz que agora o tempo é nosso amigo, diz que o sol não vai nascer. Me conta aquele caso, daquele amigo que não lembro mais o nome. Vem, esquece o celular desligado.

Me deixa te contar da conta que não paguei. Finge que entendeu minha piada, e ri como se tivesse tido graça. Ria, eu sinto falta disso. Vem, e me faz sorrir, de novo.

Me deixa fingir que não lembro seu número. Me deixa sem graça, mas só um pouco. Fica do meu lado. Vem, e deixa o silêncio tomar conta de nós dois.

Vem, e só me dá a mão.

domingo, 17 de outubro de 2010

Mais ou menos


Hoje eu resolvi colocar meu melhor som pra tocar. Peguei o vestido que mais amo usar. Cabelo solto, sandália baixa. Eu não quero nada, não quero ninguém.

Esqueci da maquiagem, enquanto a música tocava parecendo não terminar. Pra que me preocupar? Dispenso casa, comida, roupa apertada, salto alto. Dispenso dor de cabeça, compromisso, encheção de saco. Dispenso você.

Quero o lugar mais bonito, mais em paz que eu possa ter agora. Não quero nada. Eu só vou. Por que agora a rua é minha, a casa é minha, a praça é minha. Eu sou só minha.

Me divido com minhas amigas, por que elas também podem querer um pouquinho de mim. Elas têm um pouco de mim. E eu tenho um pouco delas. Tenho a risada com uma, o olhar de outra, tenho a conversa. Tenho a amizade. E isso é a única coisa que não dispenso.

Você é pouco pra mim. Na verdade, eu sou demais pra mim. Não sei como consigo caber dentro de mim. Eu sou o que você vê, e sou o que você não vê. Eu sou pouco e sou muito, mas você?

Você, eu deixei quando acordei e me quis mais. Quando eu quis estar comigo, mais do que com qualquer outra pessoa no mundo.

Eu tenho sido pouco, tenho sido muito, e não tenho sido nada. Agora eu vou ser a música, vou ser o carro, a estrada, a árvore. Eu estou em todo lugar que quero. Você pode me achar, em alguma hora, de alguma maneira, em algum lugar. Mas agora, eu fui me achar.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Noite quente

Ei conhecido,

Você provavelmente não se lembra meu nome, e se não reparou bem, passaria direto se nos cruzássemos na rua um dia. Devo confessar que também esqueci seu nome, e provavelmente o timbre da sua voz. Eu não sei direito o que levou você a se aproximar e me oferecer um drink, talvez nada demais, ou então a solidão fez com que nos aproximássemos. Primeiro gostaria de agradecer a noite, há muito tempo não ria tanto. E há um bom tempo, o tempo já não passava assim tão devagar.

Sempre tive essa tendência a ser mais amiga de homens, e com você não foi diferente. Continuo me perguntando por que aquelazinha fez isso com você, mas no fim foi algo bom, me proporcionou uma noite ótima, espero que tenha gostado também. Devo dizer que as técnicas de paquera que você me passou são lindas na teoria, mas meu probleminha nessa área, ainda me impede de usá-las.

Espero que você esteja cumprindo a promessa que me fez, dar uma saída em certas situações é muito importante. Você deve ter visto que esqueci meus brincos no balcão quando saí. Se pegou, cuide bem, são meus preferidos. E não dê pra nenhuma garota, a não ser que ela te faça realmente feliz. Só não saia acreditando em qualquer felicidade fácil que te oferecerem por aí.

De qualquer maneira tente mantê-los guardados, quem sabe um dia desses não nos encontramos na mesma hora e no mesmo lugar? Ando passando muito lá ultimamente, na esperança de encontrar alguém como você. Mas a verdade é que só queria repetir nossas conversas, nossos drinks e nossos risos.


Um beijo,

sua conhecida.

domingo, 3 de outubro de 2010

Por querer

Três horas tentando não pensar em nada, no que fazer, nas mil coisas pra resolver. Tentando ignorar qualquer evidência da realidade que quero escapar. Tento fingir que não vejo você contando suas piadas, e provavelmente você acredita no meu teatro. Vou indo, fingindo nem estar ali. Desvio o olhar, mesmo sabendo que ninguém vai perceber.

Esqueço da minha presença, sem esquecer da sua. Sem nem lembrar o quanto isso me incomoda. Não ter. Estou longe do real, longe de tudo. Porque quero, porque ando querendo não me controlar. Ando deixando coisas para trás, meio sem lembrar. Indo sem saber pra onde, não sei se vou mesmo chegar.

Deixo de lado eu mesma. Quero esquecer manias, raivas e saudades. Quero esquecer o que eu deveria ter dito e não disse. Quero esquecer o eu que disse. Ando querendo me esquecer. Querendo te esquecer, sei lá.

Você não sabe disso, nem imagina, e provavelmente nem vai querer saber. Já nem sei se quero que você saiba. Não sei o que querer, ou o que imaginar.Talvez o problema seja esse, imaginar demais. Tudo irreal demais.

Sei que te quero, e sei que isso não é tudo. É pouco, pouco demais. E eu continuo me ignorando, tentando te ignorar e te olhando de longe. Vou esquecendo presenças e atuando do seu lado. Talvez no fim das contas, seja o certo a se fazer. Não fazer.

sábado, 2 de outubro de 2010

Ele


Você o acha lindo e maravilhoso. Olho, cabelo, sorriso, corpo. Nada, nadinha nem sombra de um defeito por perto. Sabe o que falar, e sabe falar quando você quer ouvir.

Está lá pra você sempre que você precisar. Te esquenta no frio, te dá um banho no calor. Não esquece nenhuma data sequer. Aniversário, trabalho, festas, compromissos. Tudo impecável.

Abre a porta do carro e arreda a cadeira pra você sentar. Ama a sua mãe, e sempre leva flores ou chocolate quando ela não está feliz. Adora seus primos, avó, tios e quem mais vier no seu pacote completo.

Sabe seu restaurante favorito, sua sobremesa predileta, e sua alergia a camarão. Nunca pede nozes, pois sabe que você odeia. Te liga quando você mais precisa e menos espera. E nunca te liga quando você não pode atender.

Sabe a hora de se impor, e a hora de deixar você se impor. Nunca grita, briga ou perde a paciência. Nunca te tira a paciência. É inteligente, todos juram que tem um futuro promissor.

Adora qualquer programa que você inventar, só pra poder estar do seu lado. E se o programa for uma pizza na sexta à noite, adora mais ainda. Te leva pra tomar café de tarde, ou pra passear pela manhã.

Ele é fiel. Ama suas amigas, e elas o amam também. Diz que você é a mulher da vida dele, que nunca imaginou alguém assim. Dorme de conchinha e nunca reclama. Adora seu cheiro, e usa o seu perfume preferido.

Ele é perfeito, e por isso ele não existe.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Desmentindo

Alguns dizem que mentimos quando queremos que o outro acredite. Outros dizem que mentimos quando acreditamos no que dizemos. Dizem por aí que mentira é a construção de uma verdade particular, ou a destruição da verdade alheia.

Cada um mente como pode, como quer. Mente sem saber por que, mente sabendo o por quê. Mente por que quer bem, mente porque quer mal. Mente.

Desmentir é a pior parte quando se acredita na mentira inventada, quando passa a querer que ela seja verdade. Desmentir pra que, se a mentira se tornou verdade absoluta?

Porque desmentir uma felicidade pública, se a infelicidade particular é a que predomina. A mentira pública é a que se tornou a única felicidade, mesmo que falsa.

Algumas pessoas mentem sem saber as conseqüências, e são essas próprias que acabam afundadas na verdade em que acreditam. Quem escuta uma mentira, pode até acreditar inicialmente, mas quem acredita no final é quem a pronunciou.

Conseqüências são conseqüências, Newton um dia concluiu que toda ação tem uma reação. Provavelmente como eu, você decorou isso para a prova do ensino médio. Mas nunca aprendeu que isso vale, e vale pra sempre.

Vale pra quando você mentir, vale para quando você acreditar no que disse. E vale mais ainda pra quando a realidade bater à sua porta. Por que aí a única coisa que você terá ao seu alcance é a realidade falsa que um dia você criou, que jurou ser verdade, desmoronando bem ali na sua frente.

E fim.